BRASIL. JUSTIÇA AO ASSALTO DA POLÍTICA. Protagonismo exagerado do poder judiciário? A revista dos Focolares, Cidade Nova, discute o tema no seu último número.

O juiz Sérgio Moro, herói nacional. A cobertura do último número da revista dos Focolares do Brasil
O juiz Sérgio Moro, herói nacional. A cobertura do último número da revista dos Focolares do Brasil

O Brasil vive uma grave crise política, econômica e ética. A economia está em frangalhos, com inflação em mais de 10%, 11 milhões de desempregados e déficit público ultrapassando os 170 bilhões de reais. A presidente Dilma Rousseff foi afastada em 12 de maio por até 180 dias pelo Senado Federal, acusada de maquiar as contas públicas e enganar o Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, mais de 62 políticos de diversos partidos nas esferas executiva e legislativa estão sendo investigados por esquema de desvio na Petrobrás, na Operação Lava Jato, comandada pela Polícia Federal. E vários empresários importantes das principais empreiteiras nacionais estão presos pelo mesmo esquema.

Diante desse cenário, o instituto de pesquisa Datafolha mostra que 68% das pessoas são a favor do impeachment e que 65% acreditam que Dilma deveria renunciar. A rejeição, no entanto, se estende para toda a classe política. Para 77% da população, o condutor do processo de impeachment, o ex-presidente do Congresso Nacional Eduardo Cunha, deveria ser preso, enquanto o presidente em exercício Michel Temer também goza de baixo prestígio – 58% da população desejam que ele saia.

Parte desse descontentamento com os políticos pôde ser visto em 13 de março, no maior protesto político desde a redemocratização: mais de 3 milhões de pessoas saíram às ruas de todo o país pedindo o fim do governo Rousseff, a prisão de todos os envolvidos na Lava Jato e também do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva – investigado por diversos crimes. Enfim, expressando um grito de basta à corrupção.

Com o Poder Executivo paralisado e o Legislativo desacreditado e sem representatividade, um fenômeno interessante se observou nesses protestos: a quantidade numerosa de faixas e cartazes que exaltavam e apoiavam o juiz federal Sérgio Moro, condutor da Operação Lava Jato. Na ausência de líderes políticos reconhecidos pela população, o juiz é visto no Brasil como um super-herói que encabeça a luta contra a corrupção. Moro, que atualmente encarna a esperança da maioria dos brasileiros, já recebeu flores, tirou selfies e teve confeccionados bonecos infláveis gigantes com seu rosto usados por foliões no Carnaval. Há inclusive uma comunidade no Facebook em sua homenagem que já conta com mais de meio milhão de curtidas.

Protagonismo e paradoxo. O Judiciário passou a ser visto como o único poder capaz de assumir uma série de decisões importantes para o país, inclusive questões como distribuição de medicamentos, crimes ambientais e incentivos fiscais, reconhecidamente questões reservadas a outros poderes. A discussão está em pleno curso: o Judiciário estaria abusando de seus poderes? Em sua edição de maio a revista Cidade Nova, do Movimento Focolares no Brasil, discute os pontos positivos e negativos decorrentes desse processo.

O primeiro ponto levantado pela reportagem é justamente sobre a exposição crescente dos juízes do STF na mídia, por meio de entrevistas, redes sociais e declarações. Se por um lado essa midiatização aproxima a população da mais alta corte de justiça – aproximando a linguagem da Justiça para a linguagem do povo -, por outro lado ela deve ser vista com cautela. O jornalista e professor da Universidade de São Paulo, Eugênio Bucci, declarou para a publicação: “A justiça deve julgar de acordo com a lei, e não a favor dos humores da maioria da população”. Para o advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas José Ghirardi, também ouvido pela Cidade Nova, “os juízes deveriam se manifestar nos autos. [...] (De toda forma) o juiz acaba sendo mais cauteloso com a parte técnica, pois sabe que está sendo observado inclusive pelos seus pares e, como qualquer profissional, quer fazer um bom trabalho”.

O aspecto central da matéria, entretanto, é se o protagonismo do Judiciário invade ou não a esfera de outros poderes. Para Ghirardi, as decisões do STF acabam sendo um canal importante para a resolução de questões mais urgentes das quais o Executivo e o Legislativo não estão dando conta, mas ele deve ser sempre contido para não usurpar o Poder Legislativo. Já para o advogado Sérgio Tibiriçá, também ouvido na reportagem, o Supremo tem atuado de maneira discutível, “muito atuante”, não se atendo apenas ao papel de tribunal constitucional.

Cidade Nova por fim argumenta que essa exposição do Poder Judiciário gera um paradoxo: mesmo com a alta popularidade de seus juízes, a confiança da população na Justiça ainda é baixa. Ela recebeu uma nota 4,6 pontos em uma escala de zero a dez, segundo um relatório publicado pelo Índice e Confiança na Justiça Brasileira. Para Bucci, as pessoas gostam de ver o Judiciário prendendo pessoas poderosas e grandes empresários, mas enxergam a justiça como ineficaz nas ações cotidianas. Além disso, para Ghirardi, o protagonismo dos juízes faz com que as pessoas projetem neles uma expectativa muito alta, que necessariamente será frustrada. Evidentemente o Poder Judiciário não será capaz de sozinho responder todos os anseios da sociedade, tampouco resolver o problema da corrupção. Se é verdade que houve intromissão indevida em alguns casos ou espetacularização como Cidade Nova mostrou, é correto também observar que cabe aos poderes Executivo e Legislativo retomarem e cumprirem urgentemente seu papel para que os limites dos três poderes sejam respeitados novamente. Mas isso só acontecerá se o Brasil tiver “um novo jeito de fazer política, sem carreirismo. Um grupo ou partido que vivem em função dele não está a serviço do país, não está cuidando da coisa pública”, como afirmou o presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil D. Sérgio da Rocha para o jornal Folha de S. Paulo.

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